sábado, 31 de maio de 2008

QUANDO OS GÊNIOS SONHAM


O ano era 1992. Num desses domingos quando você não sabe bem o que fazer, fui à locadora de um amigo. Conversas sobre filmes, como era constante, e ele me diz, voz calma de quem sabia sobre quase todas as coisas: - Assista "Sonhos".
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Raposas se acasalando num ritual mágico, cuja visão não poupa da condenação sequerer os inocentes; demônios classificados pelo número de chifres que a radiação final pôde lhes dar; o armagedon anunciado por nuvens multicores; um quadro de Van Gogh.
Que simples mortal poderia sonhar assim?
Que sonho poderia reunir, além de tudo isso, a visão de um soldado que atravessa o túnel da morte para fazer ver ao seu comendante o horror da passagem involuntária? Ou uma criança que pode ver os espíritos dos pessegueiros arrancados de seu pomar?
Existe um sonho assim, único como o ritual fúnebre celebrado no lugar chapado "povoado", no lugar sonhado onde os velhos ensinam o os moços ouvem ao som calmo dos moinhos e da marcha inimaginável que acompanha o funeral.
Existem sonhos, sonhos bons, sonhos ruins e "Sonhos" de Akira Kurosawa.
O grande mestre de 'Dersu Uzala", "Ran" e "Rapsódia em Agosto", nos traz em "Sonhos" uma profusão de cores que entorpecem os olhos e detonam a química da emoção. Kurosawa é o pintor que rege com maestria uma obra de arte pincelada, quadro a quadro, com tinta extraída dos mais profundos sentimentos do homem. A culpa, o medo, o desejo, o passado e o futuro. Kurosawa junta tudo num grande caldeirão mágico que ferve e xala uma fumaça de cores fortes, capaz de transformar Scorcesse num Van Gogh perfeito e em perfeita harmonia com a também irreparável fotografia desses "Sonhos".
A magia de "Sonhos" não acaba aí. Cada novo sonho é uma grata surpresa, cada diálogo é uma grata emoção.
Um filme irrepreensível, para aplaudir de pé.
É bom que os gênios sonhem e é bom que os mortais possam ver seus sonhos na tela.

sábado, 17 de maio de 2008

A COR DA LIBERDADE

Ao lançar, em 1993, a famosa trilogia das cores ("Bleu", "Blanc" e "Rouge"), o diretor polonês Krzysztof Kieslowski (morto em 1996) não poderia imaginar a série de discussões que girariam em torno dessas três obras de arte do cinema e o quanto elas poderiam influenciar a vida das pessoas.

No caso específico de "Bleu" (A Liberdade é Azul, em português), temos a história de Julie (magnificamente interpretada por Juliette Binoche), uma mulher que após perder seu marido e filho num acidente automobilístico, tenta a todo custo a reconstrução de sua vida.

Temos em "Bleu" as características do cinema contundente de Kieslowski: dor, vazio, busca, incertezas e motivações para seguir em frente.

Os questionamentos de Julie diante da dor, passam bem próximos à todas estas caracteríticas.

Revi "A Liberdade" há alguns dias e, para mim, é sempre uma surpresa gratificante a redenção das personagens, como se fosse a nossa própria redenção.

Para quem ainda não assistiu, vai a citação de minha cena favorita, quando Julie, na piscina, mergulha e fica lá, no fundo, por alguns minutos. Confesso que ao assistir, sempre penso: desistiu? decidiu enfim deixar a vida?

É isso, "A Liberdade é Azul" além de ser um grande filme, com grandes verdades sobre o ser humano e suas dores, ainda nos brinda com a lição divina do livre arbítrio; com as escolhas que, por direito, podemos fazer com nossos próprios destinos, nossas próprias vidas, a nossa própria continuidade.

Além de tudo, "A Liberdade" tem uma das mais belas trilhas sonoras compostas para o cinema.

terça-feira, 13 de maio de 2008

NA CAMA COM SIMONE

O ano é 1983.
No sofá da sala, a família inteira espera pelo show da cantora
que me deixa alucinado com sua voz, me faz gastar todas as
economias em "LP's" e me faz ficar horas na fila prá comprar
um ingresso.
Show vai, show vem...
Eis que me sobe uma cama no palco e a Simone começa a
cantar "Depois das Dez".
Todos entreolham-se e lá vai ela, "num sobe desce, queima
e incendeia o coração"...cavalgando almofadas côr de rosa.
Minha avó diz:
- Pouca vergonha!
Tinha eu 16 anos e, embora estivesse gozando por dentro,
tinha que me manter, no máximo, com cara de espectador feliz.
Hoje, 25 anos depois, parei prá pensar na ousadia
daquela moça, no auge de sua carreira, insinuando-se,
deliciando-se, inspirando e transpirando a liberdade com a
qual eu sonhava naqueles dias.
Boas lembranças!