sábado, 21 de agosto de 2010

O CHEIRO DOS ESGOTOS

Em 1978, os ouvidos mais atentos puderam escutar a belíssima voz de Olivia Byington na canção "Lady Jane".  A canção, misto de lúdica e profética, não chegou a fazer muito sucesso junto ao grande público, talvez por ser elitista demais.
A letra fala sobre a visão de um mundo fictício onde a mocinha respira o cheiro dos esgotos no chão, sob as catedrais de Babel.
Lembrei de "Lady Jane" ao ler, esta semana, que o Brasil tem 34,8 milhões de pessoas que vivem sem coleta de esgoto.
O número impressiona ainda mais por mostrar que o número de brasileiros que vivem em municípios sem rede coletora de esgoto aumentou no País nos últimos oito anos.  Em 2008, a falta de infraestrutura sanitária afetava 34,8 milhões de pessoas (18% da população). Em 2000, eram 34,7 milhões (20,4%) - 100 mil pessoas a menos.
Fico aqui pensando que, até 2014, o País investirá algo em torno de 10 bilhões de reais na construção e reforma de estádios para sediar a copa do mundo.  Penso, ainda, em quantos metros cúbicos de esgoto esse dinheiro não trataria, em quantos metros lineares de tubulação de esgoto esse dinheiro não poderia ser convertido.
Enfim, penso no cheiro dos esgotos que "Jane" respirava há 32 anos e penso no tempo em que ainda levaremos para deixar de cheirar os esgotos no chão.
Por um momento chego a pensar que não vamos cheirar esgoto sob as catedrais de Babel, mas, nesse instante, me lembro que vamos sim, vamos cheirar esgotos sob o Templo de Salomão que a Igreja Universal vai construir ao custo de 360 milhões de reais.
E já que estamos falando em números, Dilma "Tatcher" Roussef abriu 17 pontos de vantagem sobre José "Nosferatu" Serra nas pesquisas eleitorais.
Deixo vocês com Olivia Byington que, certamente, lhes causará uma sensação melhor do que a que sinto ao escrever sobre toda essa coisa putrefata.



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domingo, 1 de agosto de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA ROSA

Ouvi falar de "Rosa Negra" há alguns meses quando, empolgadíssimo, Werlesson Grassi me disse estar se preparando para um novo espetáculo. No último domingo fui ao teatro Galpão conferir a estória de um povo que, literalmente, se arrasta em um futuro devastado, à espera do nascimento daquele ou daquilo que os venha livrar dos sofrimentos de um mundo pós-apocalíptico. Á primeira vista, encantam os grafismos em giz e os figurinos. Também é curiosa a disposição da platéia numa formação de arena e a trilha sonora. Bastaram alguns minutos para saber que não tinha ido assistir a um espetáculo comum. Permeado de referências bíblicas, épicas e impressionistas, "Rosa Negra" vai tomando forma nas mãos de um elenco jovem e competente que sabe usar a união para suprir pequenos deslizes de uma montagem estreante. Em pouco tempo me senti absorto numa estória coerente e que poderia ser triste, não fosse a maestria de seu espetacular elenco em inserir comicidade à dor, às tristezas e até à morte (espetacular a morte). Também é digna de nota a iluminação de Thiago Sales, que parece saber como ninguém o momento de fazer o público acreditar que velas de uma embarcação estão sendo içadas num espaço de vinte e poucos metros quadrados. Fora o encantamento pela plástica de "Rosa Negra", fui, ainda, levado pelo autor à dualidade de sua proposta. Neste sentido, o mal não é apenas ruim, o bom não é o que parece e o conceito de bem e mal, luz e trevas, revelam o peso do espetáculo como ausência, e não como não-leveza. Tal qual Milan Kundera em a "Insustentável Leveza do Ser", "Rosa Negra" desloca a dualidade do peso e da leveza para uma perspectiva existencial, mesclando-a ao problema da liberdade humana em uma perspectiva próxima à problemática do existencialismo. A leveza se segue do não comprometimento e do não engajamento de alguns personagens com a luta que se trava pelo bem e o peso se ilustra pelo comprometimento com a liberdade personificada pelos bons da estória. A leveza, porém, despe a vida de seu sentido. O peso do comprometimento é uma âncora que finca a vida a uma razão de ser, qualquer, que se constrói - sob uma perspectiva existencialista, evidentemente. Insustentáveis pesos e levezas afora, parabéns ao elenco, parabéns ao Leandro Bacellar por ter feito de "Boulevard 83" uma verdadeira escola de grandes atores. Parabéns ao Werlesson Grassi que consegue construir o único personagem não caricato e, ainda assim, transitar entre todos com uma pureza ímpar. Parabéns à Nivia Carla pela profetisa sem exageros, parabéns ao Tadeu Schneider por cenas que tão cedo vão sair do imaginário e parabéns à todo o elenco que faz de "Rosa Negra" um espetáculo para se correr Brasil afora e mostrar que aqui se faz teatro de qualidade.