Ouvi falar de "Rosa Negra" há alguns meses quando, empolgadíssimo, Werlesson Grassi me disse estar se preparando para um novo espetáculo. No último domingo fui ao teatro Galpão conferir a estória de um povo que, literalmente, se arrasta em um futuro devastado, à espera do nascimento daquele ou daquilo que os venha livrar dos sofrimentos de um mundo pós-apocalíptico. Á primeira vista, encantam os grafismos em giz e os figurinos. Também é curiosa a disposição da platéia numa formação de arena e a trilha sonora. Bastaram alguns minutos para saber que não tinha ido assistir a um espetáculo comum. Permeado de referências bíblicas, épicas e impressionistas, "Rosa Negra" vai tomando forma nas mãos de um elenco jovem e competente que sabe usar a união para suprir pequenos deslizes de uma montagem estreante. Em pouco tempo me senti absorto numa estória coerente e que poderia ser triste, não fosse a maestria de seu espetacular elenco em inserir comicidade à dor, às tristezas e até à morte (espetacular a morte). Também é digna de nota a iluminação de Thiago Sales, que parece saber como ninguém o momento de fazer o público acreditar que velas de uma embarcação estão sendo içadas num espaço de vinte e poucos metros quadrados. Fora o encantamento pela plástica de "Rosa Negra", fui, ainda, levado pelo autor à dualidade de sua proposta. Neste sentido, o mal não é apenas ruim, o bom não é o que parece e o conceito de bem e mal, luz e trevas, revelam o peso do espetáculo como ausência, e não como não-leveza. Tal qual Milan Kundera em a "Insustentável Leveza do Ser", "Rosa Negra" desloca a dualidade do peso e da leveza para uma perspectiva existencial, mesclando-a ao problema da liberdade humana em uma perspectiva próxima à problemática do existencialismo. A leveza se segue do não comprometimento e do não engajamento de alguns personagens com a luta que se trava pelo bem e o peso se ilustra pelo comprometimento com a liberdade personificada pelos bons da estória. A leveza, porém, despe a vida de seu sentido. O peso do comprometimento é uma âncora que finca a vida a uma razão de ser, qualquer, que se constrói - sob uma perspectiva existencialista, evidentemente. Insustentáveis pesos e levezas afora, parabéns ao elenco, parabéns ao Leandro Bacellar por ter feito de "Boulevard 83" uma verdadeira escola de grandes atores. Parabéns ao Werlesson Grassi que consegue construir o único personagem não caricato e, ainda assim, transitar entre todos com uma pureza ímpar. Parabéns à Nivia Carla pela profetisa sem exageros, parabéns ao Tadeu Schneider por cenas que tão cedo vão sair do imaginário e parabéns à todo o elenco que faz de "Rosa Negra" um espetáculo para se correr Brasil afora e mostrar que aqui se faz teatro de qualidade.
3 comentários:
Beto, lindas palavras. Grato pelo carinho. Fico feliz que o espetáculo tenha reverberado e te inquietado. Abraço.
Muito boa a crítica, digna desta peça maravilhosa, que sem dúvida fará muito sucesso e surpreenderá a muitos.
eis aqui um texto crítico denso, rico e consequente. grande, Beto, vejo que tua escrita continua cada vez mais essencial à nossa leitura. grande abraço.
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