Em 1978, os ouvidos mais atentos puderam escutar a belíssima voz de Olivia Byington na canção "Lady Jane". A canção, misto de lúdica e profética, não chegou a fazer muito sucesso junto ao grande público, talvez por ser elitista demais.
A letra fala sobre a visão de um mundo fictício onde a mocinha respira o cheiro dos esgotos no chão, sob as catedrais de Babel.
Lembrei de "Lady Jane" ao ler, esta semana, que o Brasil tem 34,8 milhões de pessoas que vivem sem coleta de esgoto.
O número impressiona ainda mais por mostrar que o número de brasileiros que vivem em municípios sem rede coletora de esgoto aumentou no País nos últimos oito anos. Em 2008, a falta de infraestrutura sanitária afetava 34,8 milhões de pessoas (18% da população). Em 2000, eram 34,7 milhões (20,4%) - 100 mil pessoas a menos.
Fico aqui pensando que, até 2014, o País investirá algo em torno de 10 bilhões de reais na construção e reforma de estádios para sediar a copa do mundo. Penso, ainda, em quantos metros cúbicos de esgoto esse dinheiro não trataria, em quantos metros lineares de tubulação de esgoto esse dinheiro não poderia ser convertido.
Enfim, penso no cheiro dos esgotos que "Jane" respirava há 32 anos e penso no tempo em que ainda levaremos para deixar de cheirar os esgotos no chão.
Por um momento chego a pensar que não vamos cheirar esgoto sob as catedrais de Babel, mas, nesse instante, me lembro que vamos sim, vamos cheirar esgotos sob o Templo de Salomão que a Igreja Universal vai construir ao custo de 360 milhões de reais.
E já que estamos falando em números, Dilma "Tatcher" Roussef abriu 17 pontos de vantagem sobre José "Nosferatu" Serra nas pesquisas eleitorais.
Deixo vocês com Olivia Byington que, certamente, lhes causará uma sensação melhor do que a que sinto ao escrever sobre toda essa coisa putrefata.
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sábado, 21 de agosto de 2010
domingo, 1 de agosto de 2010
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA ROSA
Ouvi falar de "Rosa Negra" há alguns meses quando, empolgadíssimo, Werlesson Grassi me disse estar se preparando para um novo espetáculo. No último domingo fui ao teatro Galpão conferir a estória de um povo que, literalmente, se arrasta em um futuro devastado, à espera do nascimento daquele ou daquilo que os venha livrar dos sofrimentos de um mundo pós-apocalíptico. Á primeira vista, encantam os grafismos em giz e os figurinos. Também é curiosa a disposição da platéia numa formação de arena e a trilha sonora. Bastaram alguns minutos para saber que não tinha ido assistir a um espetáculo comum. Permeado de referências bíblicas, épicas e impressionistas, "Rosa Negra" vai tomando forma nas mãos de um elenco jovem e competente que sabe usar a união para suprir pequenos deslizes de uma montagem estreante. Em pouco tempo me senti absorto numa estória coerente e que poderia ser triste, não fosse a maestria de seu espetacular elenco em inserir comicidade à dor, às tristezas e até à morte (espetacular a morte). Também é digna de nota a iluminação de Thiago Sales, que parece saber como ninguém o momento de fazer o público acreditar que velas de uma embarcação estão sendo içadas num espaço de vinte e poucos metros quadrados. Fora o encantamento pela plástica de "Rosa Negra", fui, ainda, levado pelo autor à dualidade de sua proposta. Neste sentido, o mal não é apenas ruim, o bom não é o que parece e o conceito de bem e mal, luz e trevas, revelam o peso do espetáculo como ausência, e não como não-leveza. Tal qual Milan Kundera em a "Insustentável Leveza do Ser", "Rosa Negra" desloca a dualidade do peso e da leveza para uma perspectiva existencial, mesclando-a ao problema da liberdade humana em uma perspectiva próxima à problemática do existencialismo. A leveza se segue do não comprometimento e do não engajamento de alguns personagens com a luta que se trava pelo bem e o peso se ilustra pelo comprometimento com a liberdade personificada pelos bons da estória. A leveza, porém, despe a vida de seu sentido. O peso do comprometimento é uma âncora que finca a vida a uma razão de ser, qualquer, que se constrói - sob uma perspectiva existencialista, evidentemente. Insustentáveis pesos e levezas afora, parabéns ao elenco, parabéns ao Leandro Bacellar por ter feito de "Boulevard 83" uma verdadeira escola de grandes atores. Parabéns ao Werlesson Grassi que consegue construir o único personagem não caricato e, ainda assim, transitar entre todos com uma pureza ímpar. Parabéns à Nivia Carla pela profetisa sem exageros, parabéns ao Tadeu Schneider por cenas que tão cedo vão sair do imaginário e parabéns à todo o elenco que faz de "Rosa Negra" um espetáculo para se correr Brasil afora e mostrar que aqui se faz teatro de qualidade.
sábado, 21 de junho de 2008
A BRILHANTE HISTÓRIA DE BRILHANTINO
BRILHANTINO
O curta metragem "Brilhantino" é o trabalho de estréia de Ériton Berçaco e, embora o seja, deixa a marca registrada de um diretor que promete e sabe à que veio.
Brilhantino conta a história e as estórias de João José Brilhantino, um brasileiro de 71 anos, que vive em uma caverna, isso mesmo, uma caverna, na cidade de Muqui, interior do estado do Espírito Santo.
Poderia ser só a história de mais um brasileiro, não fosse contada com maestria, emoção e bom humor, por ele e pela direção precisa de Ériton em seu trabalho de estréia.
"A emoção nos defende da solidão."
Saiba mais sobre o curta e seu autor em: http://www.overmundo.com.br/banco/brilhantino
sexta-feira, 13 de junho de 2008
FLORES DE PLÁSTICO
Quinta feira, 12 de junho, dia dos namorados.
Para muitos, data para dar ou receber flores.
Para outros tantos, além disto, dia de assistir ao lançamento do esperado curta “Homens”, da diretora capixaba Lucia Caus e do paraibano Bertrand Lira.
O local escolhido foi o Cine “Jardins”, localizado em Jardim da Penha, na cidade de Vitória.
O público compareceu em massa e pareceu não se importar nem um pouco em esperar aproximados 30 minutos para adentrar a sala. Aliás, o clima era festivo e demorasse mais, seria apenas uma antecipação do que se estava por ver.
Entre flores e jardins, a falta de microfone para as apresentações e agradecimentos iniciais não deixou de abrilhantar o espetáculo, ao contrário, serviu para tornar próximos público, diretora e Amapôla (personagem do curta, vinda de Gurinhém, na Paraíba, para, com sua linda humildade, prestigiar o lançamento de uma história que também é sua).
Iniciada a projeção, se têm a pretensão imediata do que poderia vir a seguir. Ledo engano.
“Homens” traz histórias que vão do cômico ao trágico e, em tão perfeita sincronia, que é difícil perceber quando acaba o riso e começa a lágrima.
São histórias tocantes, narradas pelas próprias protagonistas que, mesmo vivendo nas mais longínquas terras do interior nordestino, demonstram uma intimidade nata com a câmera. Contam, cantam, dançam, nos fazem rir e chorar.
A estréia de Lucia Caus como diretora é uma grata surpresa. Está tudo lá, muito correto. Luz, som e direção se casam de forma precisa para nos revelar homens que enfeitam suas casas com flores de plástico, homens tão acostumados às agruras do trabalho duro que o fazem cantando, homens que amam outros homens com a naturalidade com que descem os rios, com que sobrevivem as flores em suas salas.
Enquanto o Brasil pára para discutir a homossexualidade na caserna, Lúcia e Bertrand nos brindam com um documentário que vai das carícias ao soco no estômago desavisado da gente num piscar de olhos.
Ao assistir, não cometa o pecado de deixar a sala antes do findar dos créditos. Lá, em mais uma surpresa, você vai ouvir a belíssima interpretação de Marcela Lobbo para a canção “Foi Assim”.
E a vida segue, entre os homens de "Homens", entre as flores de namorados e as flores de plástico que não morrem.
Imperdível!
Para muitos, data para dar ou receber flores.
Para outros tantos, além disto, dia de assistir ao lançamento do esperado curta “Homens”, da diretora capixaba Lucia Caus e do paraibano Bertrand Lira.
O local escolhido foi o Cine “Jardins”, localizado em Jardim da Penha, na cidade de Vitória.
O público compareceu em massa e pareceu não se importar nem um pouco em esperar aproximados 30 minutos para adentrar a sala. Aliás, o clima era festivo e demorasse mais, seria apenas uma antecipação do que se estava por ver.
Entre flores e jardins, a falta de microfone para as apresentações e agradecimentos iniciais não deixou de abrilhantar o espetáculo, ao contrário, serviu para tornar próximos público, diretora e Amapôla (personagem do curta, vinda de Gurinhém, na Paraíba, para, com sua linda humildade, prestigiar o lançamento de uma história que também é sua).
Iniciada a projeção, se têm a pretensão imediata do que poderia vir a seguir. Ledo engano.
“Homens” traz histórias que vão do cômico ao trágico e, em tão perfeita sincronia, que é difícil perceber quando acaba o riso e começa a lágrima.
São histórias tocantes, narradas pelas próprias protagonistas que, mesmo vivendo nas mais longínquas terras do interior nordestino, demonstram uma intimidade nata com a câmera. Contam, cantam, dançam, nos fazem rir e chorar.
A estréia de Lucia Caus como diretora é uma grata surpresa. Está tudo lá, muito correto. Luz, som e direção se casam de forma precisa para nos revelar homens que enfeitam suas casas com flores de plástico, homens tão acostumados às agruras do trabalho duro que o fazem cantando, homens que amam outros homens com a naturalidade com que descem os rios, com que sobrevivem as flores em suas salas.
Enquanto o Brasil pára para discutir a homossexualidade na caserna, Lúcia e Bertrand nos brindam com um documentário que vai das carícias ao soco no estômago desavisado da gente num piscar de olhos.
Ao assistir, não cometa o pecado de deixar a sala antes do findar dos créditos. Lá, em mais uma surpresa, você vai ouvir a belíssima interpretação de Marcela Lobbo para a canção “Foi Assim”.
E a vida segue, entre os homens de "Homens", entre as flores de namorados e as flores de plástico que não morrem.
Imperdível!
terça-feira, 10 de junho de 2008
ELES SÃO DO EXÉRCITO. ELES SÃO PARCEIROS. ELES SÃO GAYS.
Onde está a matéria, ou melhor, onde está o "pecado" dos sargentos?
1) Eles são do exército.
2) Eles são parceiros.
3) Eles são gays.
1) Eles são do exército.
2) Eles são parceiros.
3) Eles são gays.
4) Nenhuma das anteriores, um deles só queria ser a Cássia Eller.
Não sei a resposta.
Não sei a resposta.
O que me faz pensar (e pensar muito) é que estamos em 2008, vivendo num País de leis desatualizadas, cidadãos mal informados e uma revista que deveria informar com imparcialidade e, no entanto, estampa em sua capa um verdadeiro nó na cabeça dos desavisados.
Ser do exército implicaria em não poder ser gay?
Poderiam ser gays, estar no exército e não ser parceiros?
De novo, não sei a resposta.
O que sei é que existem gays no meu prédio, existem gays no meu trabalho, existem gays na polícia, existem gays em toda parte, assim como existem brancos, negros, amarelos...
Não estou aqui para criticar a matéria que, por sinal, nos mostra fatos históricos interessantíssimos e aborda o tema (?) de forma bastante esclarecedora.
O que critico é a capa, aquilo que vende a revista e, definitivamente me soa como homofóbica e preconceituosa.
No mais, lutemos pra que, quem sabe um dia, ser gay, ter um parceiro, ser cover da Cássia Eller e tentar construir uma vida digna não seja capa de revista.
À propósito, eu sou gay.
sábado, 31 de maio de 2008
QUANDO OS GÊNIOS SONHAM
O ano era 1992. Num desses domingos quando você não sabe bem o que fazer, fui à locadora de um amigo. Conversas sobre filmes, como era constante, e ele me diz, voz calma de quem sabia sobre quase todas as coisas: - Assista "Sonhos".
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Raposas se acasalando num ritual mágico, cuja visão não poupa da condenação sequerer os inocentes; demônios classificados pelo número de chifres que a radiação final pôde lhes dar; o armagedon anunciado por nuvens multicores; um quadro de Van Gogh.
Que simples mortal poderia sonhar assim?
Que sonho poderia reunir, além de tudo isso, a visão de um soldado que atravessa o túnel da morte para fazer ver ao seu comendante o horror da passagem involuntária? Ou uma criança que pode ver os espíritos dos pessegueiros arrancados de seu pomar?
Existe um sonho assim, único como o ritual fúnebre celebrado no lugar chapado "povoado", no lugar sonhado onde os velhos ensinam o os moços ouvem ao som calmo dos moinhos e da marcha inimaginável que acompanha o funeral.
Existem sonhos, sonhos bons, sonhos ruins e "Sonhos" de Akira Kurosawa.
O grande mestre de 'Dersu Uzala", "Ran" e "Rapsódia em Agosto", nos traz em "Sonhos" uma profusão de cores que entorpecem os olhos e detonam a química da emoção. Kurosawa é o pintor que rege com maestria uma obra de arte pincelada, quadro a quadro, com tinta extraída dos mais profundos sentimentos do homem. A culpa, o medo, o desejo, o passado e o futuro. Kurosawa junta tudo num grande caldeirão mágico que ferve e xala uma fumaça de cores fortes, capaz de transformar Scorcesse num Van Gogh perfeito e em perfeita harmonia com a também irreparável fotografia desses "Sonhos".
A magia de "Sonhos" não acaba aí. Cada novo sonho é uma grata surpresa, cada diálogo é uma grata emoção.
Um filme irrepreensível, para aplaudir de pé.
É bom que os gênios sonhem e é bom que os mortais possam ver seus sonhos na tela.
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Raposas se acasalando num ritual mágico, cuja visão não poupa da condenação sequerer os inocentes; demônios classificados pelo número de chifres que a radiação final pôde lhes dar; o armagedon anunciado por nuvens multicores; um quadro de Van Gogh.
Que simples mortal poderia sonhar assim?
Que sonho poderia reunir, além de tudo isso, a visão de um soldado que atravessa o túnel da morte para fazer ver ao seu comendante o horror da passagem involuntária? Ou uma criança que pode ver os espíritos dos pessegueiros arrancados de seu pomar?
Existe um sonho assim, único como o ritual fúnebre celebrado no lugar chapado "povoado", no lugar sonhado onde os velhos ensinam o os moços ouvem ao som calmo dos moinhos e da marcha inimaginável que acompanha o funeral.
Existem sonhos, sonhos bons, sonhos ruins e "Sonhos" de Akira Kurosawa.
O grande mestre de 'Dersu Uzala", "Ran" e "Rapsódia em Agosto", nos traz em "Sonhos" uma profusão de cores que entorpecem os olhos e detonam a química da emoção. Kurosawa é o pintor que rege com maestria uma obra de arte pincelada, quadro a quadro, com tinta extraída dos mais profundos sentimentos do homem. A culpa, o medo, o desejo, o passado e o futuro. Kurosawa junta tudo num grande caldeirão mágico que ferve e xala uma fumaça de cores fortes, capaz de transformar Scorcesse num Van Gogh perfeito e em perfeita harmonia com a também irreparável fotografia desses "Sonhos".
A magia de "Sonhos" não acaba aí. Cada novo sonho é uma grata surpresa, cada diálogo é uma grata emoção.
Um filme irrepreensível, para aplaudir de pé.
É bom que os gênios sonhem e é bom que os mortais possam ver seus sonhos na tela.
sábado, 17 de maio de 2008
A COR DA LIBERDADE
Ao lançar, em 1993, a famosa trilogia das cores ("Bleu", "Blanc" e "Rouge"), o diretor polonês Krzysztof Kieslowski (morto em 1996) não poderia imaginar a série de discussões que girariam em torno dessas três obras de arte do cinema e o quanto elas poderiam influenciar a vida das pessoas.
No caso específico de "Bleu" (A Liberdade é Azul, em português), temos a história de Julie (magnificamente interpretada por Juliette Binoche), uma mulher que após perder seu marido e filho num acidente automobilístico, tenta a todo custo a reconstrução de sua vida.
Temos em "Bleu" as características do cinema contundente de Kieslowski: dor, vazio, busca, incertezas e motivações para seguir em frente.
Os questionamentos de Julie diante da dor, passam bem próximos à todas estas caracteríticas.
Revi "A Liberdade" há alguns dias e, para mim, é sempre uma surpresa gratificante a redenção das personagens, como se fosse a nossa própria redenção.
Para quem ainda não assistiu, vai a citação de minha cena favorita, quando Julie, na piscina, mergulha e fica lá, no fundo, por alguns minutos. Confesso que ao assistir, sempre penso: desistiu? decidiu enfim deixar a vida?
É isso, "A Liberdade é Azul" além de ser um grande filme, com grandes verdades sobre o ser humano e suas dores, ainda nos brinda com a lição divina do livre arbítrio; com as escolhas que, por direito, podemos fazer com nossos próprios destinos, nossas próprias vidas, a nossa própria continuidade.
Além de tudo, "A Liberdade" tem uma das mais belas trilhas sonoras compostas para o cinema.
Temos em "Bleu" as características do cinema contundente de Kieslowski: dor, vazio, busca, incertezas e motivações para seguir em frente.
Os questionamentos de Julie diante da dor, passam bem próximos à todas estas caracteríticas.
Revi "A Liberdade" há alguns dias e, para mim, é sempre uma surpresa gratificante a redenção das personagens, como se fosse a nossa própria redenção.
Para quem ainda não assistiu, vai a citação de minha cena favorita, quando Julie, na piscina, mergulha e fica lá, no fundo, por alguns minutos. Confesso que ao assistir, sempre penso: desistiu? decidiu enfim deixar a vida?
É isso, "A Liberdade é Azul" além de ser um grande filme, com grandes verdades sobre o ser humano e suas dores, ainda nos brinda com a lição divina do livre arbítrio; com as escolhas que, por direito, podemos fazer com nossos próprios destinos, nossas próprias vidas, a nossa própria continuidade.
Além de tudo, "A Liberdade" tem uma das mais belas trilhas sonoras compostas para o cinema.
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